3ª Temporada - Estremoz cidade serena (16)
Comandante Guélas
16
- Ide passar o ano bem longe da vila, e levai a palavra do Comandante Guélas, o Querido Líder!
E assim fizeram, Conan Vargas organizou uma Cruzada em direção ao Alentejo vermelho e profundo, a Ala dos Namorados foi passar o ano a Estremoz.
- Chaparros queques?! – Perguntou admirado o Dr. Daniel José Martins de Almeida.
- Tão queques que só podemos entrar de fato e gravata, e a festa é no casino lá da terra, um misto de mesas de matrecos com sofás de veludo, - explicou-lhe o Proveta, ajeitando a gravata do pai que lhe chegava aos pés!
O organizador namorava com uma menina cuja família tinha morada na respetiva terra e achara por bem convidar todos aqueles adolescentes das famílias mais brasonadas de Paço de Arcos, para assim subir na hierarquia social da “chaparrolândia”. Iriam todos de comboio, já equipados para a festa. A meio da viagem, e um pouco chateados por não fazerem merda, resolveram animar a composição, dando início a um jogo radical que consistia em mudar de carruagem pelo lado de fora. Quando o maquinista se apercebeu do jogo, já havia vinte adolescentes, de fato e gravata, pendurados, facto inédito nos anais da CP alentejana. A brincadeira só acabou quando todos cumpriram o percurso definido: partida na última carruagem e meta na primeira. As autoridades da composição bem tentaram mete-los para dentro, recorrendo a gestos e a buzinadelas, mas a prova só acabou quando o Velhinho terminou o circuito. Meia-hora de descanso para os “bravos de Paço de Arcos” e nova animação: slows unissexos. O Focas e o Tio Kiki levantaram-se e, ao som de uma música romântica, abraçaram-se e dançaram com sensualidade para a carruagem que ia atestada de velhas tipo morcegos. Para abrilhantar o número, o Pilas foi à casa de banho e encheu de água uma camisa-de-Vénus, que pôs a circular pelos passageiros. A pouco e pouco a carruagem esvaziou-se de autóctones, acabando por ficar exclusiva dos “meninos de boas famílias” da Costa do Estoril. Entretanto, algo parecia ter acontecido, um fenómeno do Entroncamento: o Peidão crescera durante a viagem, as mangas do blaizer castanho, que lhe tinham emprestado, acabavam nos cotovelos.
- Era o que eu usava quando a catequese ainda me aceitava, - explicou o proprietário, escondendo o facto de ter sido expulso da instituição aos 10 anos por ter desviado dinheiro da caixa das esmolas para ir comprar um maço de GS Filtro.
A chegada a Estremoz foi inesquecível para os habitantes. A rua principal estava recheada de laranjeiras carregadas de frutos reluzentes. Segundo reza a lenda, quem começou a guerra foi o Pilas, que acertou em cheio com uma laranja na cabeça do Conan que ripostou, mas falhou o alvo, esborrachando o esférico no fatinho catita do Velhinho, que também não gostou e respondeu à letra. Bastou meia-hora para a estrada principal estar pintada de cor de laranja. Mas como tinham de chegar a horas ao jantar na casa da família da namorada chaparra do Conan, sacudiram os caroços dos fatos e apresentaram-se na morada indicada. Foram recebidos como heróis e deram de caras com um repasto digno de príncipes. O Conan foi o primeiro a beijar a dona da casa e pediu para lavar as mãos. Só que não disse toda a verdade. Tinha saído de casa com a tripa cheia e durante a viagem a trepidação do comboio inibira o conteúdo de sair. Mas a “Guerra das Laranjas” acalmara-o e agora despejara tudo de uma vez. A fila para o WC aumentou, mas o Conan recusava-se a sair, puxando compulsivamente o autoclismo. Quando se viu obrigado a abandonar as instalações sanitárias, pois caso o não fizesse os colegas de escola ameaçavam deitar a porta abaixo, trouxe atrás de si uma nuvem de enxofre e de tióis que obrigaram a uma fuga precipitada dos familiares e amigos da menina.
- De onde é o seu namorado?
- De Paço de Arcos mamã!
Mas como continuavam em movimento, foram fazer uma visita de cortesia à pensão onde estavam alojados os dois únicos paço-arcoenses com posses: o Bakaus, teoricamente o maior cobridor do país, um conquistador cruel que não escolhia e atacava as suas presas sem estados de alma, e o sempre abonado com libras, o Pierre Pomme-de-Terre. Só dois tocaram à porta enquanto que os restantes permaneceram acoitados numa esquina. Uma velha abriu a porta:
- Boa-tarde minha senhora, viemos dar um beijinho aos nossos manos, que estão aqui hospedados, - disse o Pilas com um sorriso rasgado.
- São meninos de Lisboa?
- Sim, -respondeu o Conan, afastando com as mãos os vestígios do enxofre que estavam colados às calças, fruto de um descuido a uns quarteirões acima.
- Entrem, a casa é vossa.
Entraram todos.
- Chiça, e eu a pensar que as famílias numerosas eram aquelas que não tinham televisão, – resmungou a mulher morcego.
A contabilidade da casa era rigorosa, havia um contador à saída de cada tomada, mas o Bakaus já tinha feito uma ligação direta. O aquecedor estava ao máximo e o aparelho de controlo a dormir. Em cima de uma das mesas deram de caras com o garrafão de colónia “Lavanda” do gordo caixa-de-óculos com nome afrancesado. Quando os queques se despediram dos “manos” o perfume transbordava dos sapatos italianos do Pierre Pomme-de-Terre. A festa decorreu sem incidentes de maior e alguns dos adolescentes acabaram a dormitar nos bancos do jardim, nunca tendo conseguido adormecer, porque a polícia colara-se no espaço público e intervinha de cada vez que se deitavam.