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República Independente do Alto de Paço de Arcos

Toda a zona ocidental da Península Ibérica está ocupada pelos portugueses…toda? Não! Uma vila habitada por irredutíveis paçoarcoenses conseguiu a sua independência 19 meses depois do 25 de abril de 1974!

Toda a zona ocidental da Península Ibérica está ocupada pelos portugueses…toda? Não! Uma vila habitada por irredutíveis paçoarcoenses conseguiu a sua independência 19 meses depois do 25 de abril de 1974!

República Independente do Alto de Paço de Arcos

15
Nov18

3ª Temporada - Manifestação Cultural (20)


Comandante Guélas

Feira Ladra.jpg

20

Na marginal havia troca de carros em andamento era necessário mudar os motoristas das Citroen Dyane do Luís Raul e do Mac Macléu Ferreira, GZ-65-33 mais conhecido como “Deusa”. O que saía metia o pé no volante e o que entrava metia o pé no acelerador. Portugal tinha nesta altura como deuses do Coliseu o Santa Camarão, o “Homem Montanha”, que calçava 49 e amava perdidamente a Ilda Fernandes, a Rainha dos Mercados, senhora das maiores mamas do Cais do Sodré; havia também o Tarzan Taborda, Albano Taborda Curto Esteves, o Manuel Grilo, “o homem que só apanhava”, o Domingos Barrigana, e neste fim de semana o combate envolvia o Conde Maximiliano, o Índio Blas Veja, o Amet-Chong, o Nino Mercuri, o Máscara Negra e o Jeff Awweert. Por isso o Comandante Guélas, para fazer frente à Lisboa Vermelha, lançou na Vila-Estado de Paço de Arcos o lendário Conan Vargas, “O Homem que dá 7 de seguida sem ver a luz do dia”! Nunca mais a região foi a mesma! A peregrinação não era a Meca, porque a figura mais parecida com Maomé era o Milhas, mas dele todos fugiam como o Diabo da Cruz desde que ganhara a lotaria, e que qualquer conversa mais demorada significava que estavam a querer comer por conta da cautela comprada à dona Blandina, irmã do Frederico dos Jornais, mas a um lugar também ele mítico, e mais rentável, a Feira da Ladra. Esta era a “Geração em Branco”, como dizia o capitão Pontas nas sessões de esclarecimento no Cineteatro de Paço de Arcos, que presenteava os espetadores com soberbos filmes do Bruce Lee e efeitos 3D, na forma do Todo Boneco, que só atuava quando havia cenas de marmelada, atirando então, não o grito do Ipiranga, mas sim o “espera aí que já cospes”, e não a “Geração Vermelha Sem Rumo”, que era obrigada a reeducar-se no Chalé da Merda, e a sua exposição permanente de ferro-velho, paga a peso de ouro, propriedade de um sapateiro viúvo com sotaque da madeira e aspeto de menino queque de Leião, onde ficava a quinta do pai do Zé dos Porquinhos. E quando se atingiu o número mínimo de tarecos que justificava a viagem, que iria garantir mais uns dias de bejecas, marcou-se no calendário o dia D.

O bólide já estava repleto de quinquilharia quando o senhor Américo colocou os adolescentes guélianos na rua, como era habitual, à meia-noite, deixando estes anjinhos à mercê das influências noturnas, que os transformavam sempre em demónios. Mas tiveram de esperar pelas cinco da manhã, altura em que o “Dois Cavalos” do Pláni fez questão de rumar ao Campo de Santa Clara. O Pontas viu ao longe o seu amigo Zé do Fotógrafo sentado num dos bancos do jardim, olhando para o chão, para o espaço entre os seus pés. Ficou a saber que tudo aquilo se devia a ter sido abandonado, novamente, pela sua Rosa do Ártico, e de novo achincalhado pelo Sarapito que, desta vez, tinha decorado a montra da Jomarte com uma foto sua embelezada com uma armação do tamanho das renas do Pai Natal.

- Vou mas é viver para Cascais, já não aguento mais este peso permanente na cabeça, - disse o irmão do Bigornas quando viu que o amigo se sentara ao seu lado, e lhe pusera um braço sobre ombros.

Criou-se um silêncio insuportável, o Zé do Fotógrafo sussurrava abusos e traumas por sarar. A um dado momento o amigo Pontas, um adolescente elegante e cordial, guardador de muitos segredos e escravo dos bons sentimentos, ofereceu-lhe as palavras adequadas, como era seu costume:

- Não desesperes, na praça há mais!

Quando chegaram a Santa Clara, os compradores eram tantos que se atiraram ávidos aos tenrinhos, mas não esperavam pela reação do condutor que continuou a marcha. A turba não desistiu e foi no encalce do “Dois Cavalos”, de nome Dumbo, uma homenagem às orelhas do proprietário. Por pouco não foram engolidos devido à subida acentuada e ao peso excessivo de quinquilharia.

- Não venda que eu roubo…perdão, eu compro, - gritavam os fregueses do “outlet” mais famoso de Lisboa.

Graças a Deus que a seguir a uma subida há sempre uma descida, e foi isso que o Plani aproveitou.

- Temos de dar duas voltas para cansar o pessoal, este é o segredo do negócio de Santa Clara, - explicou o ex-menino da Luz.

Mas o bando já estava habituado a estas andanças, e mal o carro parou foram invadidos por um enxame de velhos compradores batidos nestas andanças, tendo um deles proposto a compra imediata do carro. Indignação! E como é que estes meninos de boas famílias de Paço de Arcos regressariam a casa? De comboio, no meio do povo malcheiroso?

- Nem pensar, - respondeu o maior expert de Paço de Arcos, o Proveta, o primeiro a ter prejuízo, pois no meio da confusão desaparecera a sua máquina de barbear que cortava um pelo de cada vez e metade da cara só numa passagem, tendo ficado com a caixa como recordação.

O grupo interveio, e empurrou a molhada, aproveitando a confusão para fazer uma troca de prendas. Quando o sol acordou o produto do Proveta estava na banca do Coxo da Brandoa, o cinzeiro de latão do Anão do Bairro Alto na loja do Plani e o saca-rolhas do Meia-Lua da Porcalhota era vendido como peça rara pelo Peidão.

Foi neste dia que a aptidão do Proveta para os seguros se revelou, quando conseguiu vender o biquíni da prima americana a uma velha com umas mamas do tamanho das abóboras da Dona Rosa, mãe do João da Quinta, que um dia teimou com o Pontas que tinha mais lógica pôr uma moeda de 10 escudos nos carrinhos de choque da feira de Paço de Arcos, do que comprar fichas a 5 escudos.

- Caiem-lhe que nem ginjas – disse, com os olhos fixos e elevados, colados no bigode da mulher de olhos pequenos e afundados.

- Acha? – Perguntou a cliente ao ver que nem os pipos conseguia tapar.

O vendedor passou a mão sobre as sobrancelhas, esfregou a testa e respondeu com sapiência:

- Não importa o tamanho do seu decote, desde que olhem para o biquíni.

Estas palavras fizeram-na perder as memórias das palavras e impressionaram-lhe os sentidos, imaginando-se deslumbrante no vasto areal da Cruz Quebrada, e tudo isto devido às circunvoluções cerebrais que batiam furiosamente no crânio, que se deformava com o impacto. Após esta venda lendária o Proveta passou de imediato para um produto arrasador: um aspirador!

- Trabalha? – Perguntou o primeiro e único cliente.

- Um mimo, - respondeu de imediato o precursor da Remax.

- Quero ver, - exigiu o comprador.

- Acompanhe-me.

Dirigiram-se ao café mais próximo e o vendedor encostou a ficha à primeira tomada que viu. O som que saiu da máquina causou um apagão no Panteão Nacional, que acordou o Pessoa, e foi por isso que o Proveta puxou de imediato o fio, não fosse tornar-se vítima do seu próprio produto. Vendido!

Não muito longe dali, o Pierre Pomme-de-Terre, amigo do seu amigo, tentava vender a Sachs do Bajoulo, que se tinha ausentado para ir compensar a ausência do pequeno almoço com uma soberba Imperial, entregando ao Mocho a parte promocional e aos amigos Ginja, Drenos, Orelhas e Fice o papel de figurantes:

- Amigos, senhores, esta motorizada tem incluído um Kit Sexual, que faz com que acima dos 100 Km / hora o condutor entre em transmissão direta com o cinema Olímpia.

A venda quase foi consumada, o regresso do dono estragou tudo, mas antes tivesse sido, pois nesse verão o Bajoulo deu boleia ao Ginja no Algarve, e à chegada à praia da Oura derrapou na areia, obrigando o pendura a entrar de rastos no parque de estacionamento, deixando parte do calção de banho, a totalidade das sandálias e uma porção do bronzeado, no asfalto.

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