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República Independente do Alto de Paço de Arcos

Toda a zona ocidental da Península Ibérica está ocupada pelos portugueses…toda? Não! Uma vila habitada por irredutíveis paçoarcoenses conseguiu a sua independência 19 meses depois do 25 de abril de 1974!

Toda a zona ocidental da Península Ibérica está ocupada pelos portugueses…toda? Não! Uma vila habitada por irredutíveis paçoarcoenses conseguiu a sua independência 19 meses depois do 25 de abril de 1974!

República Independente do Alto de Paço de Arcos

15
Jan19

3ª Temporada - O Relógio (22)


Comandante Guélas

Relogio.png

 

22

 

Uma mulher jovem, fininha, com as unhas dos pés iguais às do Pitrongas, de pé, junto a uma janela aberta da Pensão Moreira, por onde entrava sempre a luz da manhã e o cheiro a maresia do Chalé da Merda, abstraiu-se na leitura de um pequeno poema escrito numa folha de papel higiénico da Leitaria Papagaio:

“Numa noite de copos,

Com o meu chouriço rijo,

O teu nome escrevi,

Com um jato de mijo!”

Numa vila em que quase ninguém escrevia cartas de amor, o Bajoulo era a exceção, e a Tita dos Pés Sujos a sortuda. Raros eram os momentos da história da Humanidade semelhantes aos vividos na vila de Paço de Arcos, após a vitória do Comandante Guélas, que trouxera à luz o que estava na sombra, com a expulsão do solo sagrado, tal como fizera o marquês de Pombal com os jesuítas, da comunistada abjeta. E ainda por cima também havia um marquês na vila, o Petroni, pai do Vale e Azevedo da zona, o Pierre Pomme-de-Terre. O Querido Líder de Paço de Arcos proibira os homens de mijar sentados, como faziam os comunistas:

“Cada um mija como pode, pois o mais difícil na arte de mijar em pé, não é o manejo do instrumento, mas a cumplicidade entre as mãos e os olhos, que permite a pontaria com que cada um atinja o alvo, ao mesmo tempo que larga um peido”.

E foi numa noite de Verão que um grupo de guélanistas resolveu ir inaugurar um novo espaço de diversão, a piscina do Sarapito. O local cheirava a novo e as mudanças da numerosa família estavam para breve, ou seja, o espaço ainda se encontrava virgem. A água azulinha convidava a uns mergulhinhos, mas os turistas não vinham preparados para o evento e por isso tiveram de improvisar. Foram todos nus. Todos?! Todos não, o mano mais velho do Citron foi o primeiro a inaugurar as instalações. Caiu no erro de ir espreitar para o fundo da piscina sendo de imediato arremessado lá para dentro. Ficou furioso, dizia que tinha avisado que estava na digestão, talvez da cerveja, mas foi de imediato confrontado com a dura realidade, pois se tivesse de lhe acontecer algo não era por estar aos berros à procura de um culpado que faria o tempo voltar para trás:

- Paciência, também já viveste muito, - sossegou-o o amigo Pontas.

- É melhor morreres de congestão do que cortado ao meio pelo rápido de Lisboa, como aconteceu com o primo surdo-mudo do João da Quinta, - reforçou o Peidão, outro amigo de longa data.

A festa estava animada, havia “bombas” por todos os lados e montes de terra e palha a alterar o outrora paraíso azul. Até já o “condenado à morte” participava nos saltos, mas todo vestido por causa da digestão. Havia mais água fora do que dentro, a relva acabada de plantar fora engolida pela lama, pegadas forravam o chão branco imaculado, e os adolescentes carregadinhos de cerveja vertiam águas constantemente, tendo o cuidado de o fazer para dentro dos vasos. A quantidade de cevada descarregada iria com toda a certeza alterar o código genético das futuras rosas vermelhas que, com o choque, passariam para amarelo escuro. Por volta das três da manhã o João Pestana veio buscar os meninos rabinos, chegando muitos deles a casa sem acessórios. No dia seguinte o pai do Sarapito, proprietário do espaço privado, teve um ataque de caspa. A piscina parecia mais o lago dos patos da Avenida, havia um cheiro intenso a mijo, e do rijo, e o limoeiro resolvera produzir cuecas, uma delas com marcas profundas, sinal de que o Bajoulo também participara na festa. No chão algo brilhou, era um relógio, a única prova decente. Lembrou-se que tinha deixado um dos filhos a guardar a casa, o mais corajoso, e acordou-o. Confrontou-o com a situação e teve de agarrá-lo de imediato, porque ele ameaçou descer as escadas e matar os prevaricadores.

- Calma filho, já não está lá ninguém.

Mostrou-lhe o que tinha descoberto no chão e ele provou ao pai que o único mano capaz de ter amigos com cebolas daquelas era o Sarapito. Foi de imediato à outra casa confrontar o outro filho com o achado e depois de ele ter feito um checklist mental das manias dos amigos, chegou à conclusão de que só um é que poderia gastar tão pouco na comprar de um relógio:

- O Peidão, esse relógio só pode ser do Peidão, e com toda a certeza que virá buscá-lo.

- Peidão?! Então o menino tem amigos com esse nome?! Não foi essa a educação que lhe dei. Vou reforçar-lhe as idas à missa.

Nesse dia foi abordado pelo suspeito que queria o relógio de volta e estava decidido a ir pedi-lo ao proprietário. Foi um encontro cordial, o jovem afinal não era um pecador, prometeu não participar em mais invasões, aliás não seria mais necessário pois o pai do Sarapito tinha-lhe posto o espaço à disposição. Reparou que o estranho nome daquele amigo do filho não condizia com a figura angelical que lhe pedira perdão pelo ato antissocial dos seus amigos que ele, como Menino da Luz, tentara evitar mas fora impotente perante a matilha de selvagens que lhe tinham passado por cima e arrancado o relógio.

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