3ª Temporada - Cavalos e Cavaleiros (27)
Comandante Guélas
27
A história oficial de paço de arcos, ensinada nos manuais escolares, contava que a Maria, bastarda de D. Dinis tinha sido freira em Odivelas, e montada pelo tetra avô do Comandante Guélas, dando alguns séculos depois origem ao fabuloso Ratinho Blanco, cliente habitual do senhor Bandeira, barbeiro oficial da Vila-Estado. O Menino Guéliano só tinha autorização do Querido Líder para montar a cavalo no Guincho, exceto nas meninas, que tinham de ser exclusivas da vila, para não haver degenerescência genética. E foi numa dessas alturas que a Macaca entrou no café “Iolanda”, que servia à Dra. Quitéria Barbuda vinho branco numa garrafa de Sumol com uma palhinha, e perguntou quem é que queria ir montar. Assustaram-se! Mas quando disse que eram cavalos, quatro imberbes levantaram os braços:
- Mas tu já alguma vez andaste a cavalo? – Perguntou o Peidão ao Chinoca.
- Eu tenho uma “Maxi Push”.
Mas havia um obstáculo a ultrapassar. O amigo da Macaca, um desconhecido de Nova Oeiras, estava dentro do Renault 5 todo bonito, com chibata, botas de montar e cara de cu.
- Eles podem vir connosco?
O matador olhou para os quatro meninos de “boas famílias” e percebeu que, ou iriam todos, ou arriscava-se a ter de mudar um pneu. Teve bom senso. A excursão rumou para a aldeia de nome “Areias”, onde seriam alugados os animais. Quando os bichinhos foram entregues, o Chinoca quase que saiu à carga, porque pensava que “Cavalo” e “Peidociclo” era tudo da mesma família, por isso acelerou a fundo.
- Têm a certeza que o vosso amigo sabe andar de cavalo? – Perguntou o dono do picadeiro ao ver o rapaz com cara de oriental a trote e a bater violentamente com o traseiro na sela e a enredar as rédeas nas pernas.
- Ele está habituado a montar as éguas em pelo, - explicaram-lhe.
O trombudo tomou a dianteira, passando com um ar de desprezo por todos os amigos da Macaca. A sorte devia-se ao facto de os cavalos estarem habituados a andarem uns atrás dos outros, e assim o do Chinoca teria poucas hipóteses de fugir. Atravessaram a rua e embrenharam-se nas dunas. Alguns metros mais adiante tiveram de reduzir para passo, pois era necessário poupar o rabo do chinês. Mas aconteceu o primeiro dos “previstos”, quando um ramo baixo lhes apareceu pela frente. Todos puxaram pela rédea esquerda e contornaram o arbusto, exceto o Chinoca que seguiu em frente e chocou contra o obstáculo. Passou o bicho e quase ia ficando o cavaleiro, caso não se tivesse deitado sobre a cabecinha do cavalo, folgando as rédeas e soltando os chinelos de quarto dos estribos. Ainda houve tempo para apostas, ganhando a opção “queda”. Valeu o sangue frio do trombudo que encostou a sua montada e segurou o animal. Pausa, o chinês estava mais inclinado do que a Torre de Pisa, e à medida que ia descaindo puxava as rédeas, arriscando-se a sentar o alazão no colo. Quando o líder o informou dessa hipótese, tirou as mãos e caiu na areia fofinha. Pôs-se logo ali uma dúvida: como é que ele iria montar, uma vez que não havia a escada do picadeiro? Veio-lhe à memória o capitão da Quinta Divisão e da falta que ele lhe fazia naquele momento. Caso fosse um dos presentes, mandá-lo-ia agachar e ele obedeceria. Depois bastaria saltar-lhe para a espinha e montar. Mas a realidade era outra! O Chinoca teria de se desenrascar, nenhum dos presentes queria fazer de militar de abril. Foi o que fez, meteu o bichano na parte baixa de uma duna e saltou-lhe para cima. Como o tempo já estava a escassear, foi necessário recorrer ao galope, porque senão nunca chegariam à Praia Grande. No Guincho cada um escolheu o seu ritmo e, de uma maneira geral, a carga foi a velocidade que imperou. O Chinoca optou por parar, largar o volante, enrolar um cigarrinho, ao mesmo tempo que dava folga ao rabo. Só que este tipo de cenas não eram as mais aconselháveis no momento, porque o animal cheirou o chão deitou-se de imediato, atirando o adolescente com cara de oriental de pantanas tendo, no entanto, ainda conseguido dar a última “passa” antes de aterrar. O trombudo, futuro pai do Chico, que estava na outra ponta da praia, nem queria acreditar no que via. O cavalo do Chinoca parecia o Bóbi do João da Quinta a esfregar-se nas bostas da mula do Manelinho da Carroça, de cada vez que passava na rua dos ricos do Alto de Paço de Arcos, e quando a festa acabasse de certeza que iria a Cascais tomar um copo. E quem tinha deixado o Bilhete de Identidade, aliás o único a levá-lo, tinha sido ele, como prova que eram todos “meninos de boas famílias”. E o seu Renault 5 não valia nem metade de um burro sarnento, quanto mais um cavalo inteiro. Ficaria de certeza a lavar cavalariças o resto do ano e estragaria as suas botinhas com brilhantina. Meteu “prego a fundo” e conseguiu chegar a tempo. Quanto ao Chinoca, queria regressar a pé, alegando já ter o traseiro em chamas e não pretendia ser confundido com algum revolucionário tresmalhado. Conseguiram convencê-lo a dormir nessa noite de barriga para baixo, para que as marcas no mealheiro desaparecessem.