4ª temporada - O Boquinha de Milho (8)
Comandante Guélas
8
“Certamente vocês, a nação paçoarcoense, conquistarão a vila. E quão maravilhoso será o seu comandante, o Comandante daquela nação. E quão incrível, quão maravilhoso será o exército daquela nação, assim como a sua equipa de hóquei!” – Tenente Proveta ao dar início à invasão do Sul comunista.
Os flatos do Focas eram sons que doíam, e atingiam sempre a débil fronteira das lágrimas do Kid Aromas, que naquele dia histórico tinha o peito mais enfunado do que a vela de um galeão. A complexidade religiosa paçoarcoense era assinalável, por isso o irmão padre do Sarapito dizia que a vila-Estado era uma repartição do Céu na Terra, com alguns empréstimos feitos no Inferno. O Alerta PA do dia informava que o Dr. Protético, irmão do Vitinha, arrancara vinte dentes ao Tubarão e ninguém gritara “pecado”! O regresso do Bill à Mãe-Pátria não trouxera só três magníficos, mas sim uma equipa inteira no porão, sinal de que o mister já tinha adquirido muitos hábitos chineses. E cada atleta trazia escondidos na sua bagagem quadros de cavalos e de toiros assinados pelo Boquinha de Milho, um velho sem maxilar inferior, que passara o resto da reforma a fazer desenhos no café “Oceânia”. Mas o Bill trouxe também felicidade à vila, porque mal pôs um pé em terra o Manel Canocha, irmão do general Titó e do Joaquim, o comuna mais empedernido de Paço de Arcos, dera o berro, deixando vaga a casa ao lado da Dízima e por baixo da Elisinha Explicadora. Na escola, do bando de comunas, só o Bill chegou longe, porque depressa aderiu à causa guélanista, passando a limpar o cu aos ensinamentos do camarada Lenine, uma múmia do Kremlin que morrera atestado de sífilis, borgalhotas e piolhos. Aliás, fora o mais novo dos titós que dera o alerta ao jornal da terra, o Avante Bilov: “morreu o Keidas com um tiro nos cornos”. Por Keidas queria dizer Kennedy! E apesar da notícia estar um pouco atrasada, o Bill escreveu-a na mesma, tinha de dar nas vistas se queria ter um futuro como jornalista da LUSA. Mas o dia corria-lhe bem, as notícias eram em catadupa, o Lourenço, dono da Plim-Auto na terra dos pés negros, onde o Choné mandou arranjar um R5 “Alpine”, preto, de jantes alargadas, com que o Focas e o Chinoca se espetaram na curva da casa dos Baptistas, que queimaram a cabeça do vizinho Milhas, que mais tarde se casaria com a Sesaltina, vizinha do João da Quinta e do Zé dos Porquinhos, despistara-se na curva das Fontainhas com o seu Matra de fibra de três lugares, com uma puta com casaco de peles e o Ferramenta, e este por não ter o cinto foi fazer companhia com aquele que andara a comer a Marilyn Monroe, Marie Hemorroidas para o Keidas.
- Vai tudo expulso do bar, - ameaçou o senhor Daniel.
Mas o escândalo dos quadros falsos do Boquinha de Milho ocupava a primeira página. O Luis de Espanha descobrira, no Arvoredo, que ele copiava os desenhos por cima, decalcando-os em casa, para depois dar a impressão de ser um artista de renome mundial. Foi expulso do café pelo dono ofendido que, por ser uma atração, dava-lhe comida à borla. Assentou arraiais no café “Oceânia”, e deixou um seguidor, o irmão da Marina, que fazia o mesmo usando outra técnica, projetar desenhos numa tela e copiá-los.