5ª Temporada - Oguedinâguio (4)
Comandante Guélas
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Os portugueses tinham uma relação de domínio sobre a Natureza, enquanto a dos paçoarcoenses era de agradecimento. Agradeciam o Daniel José Martins de Almeida, o Ratinho Blanco, o Álhi, enfim, todo o Electrogumitário. Por isso convinha sempre ouvir as palestras do filósofo Pierre Pomme-de-Terre no Coreto:
- A nobreza do meu pai, Marquês Petroni, título comprado ao Alice, tornou-me um minucioso relógio, onde os minutos são todos os meus negócios!
As saudades do Bill eram tantas, que um grupo de notáveis da vila-Estado de Paço de Arcos fez correr pelas terras do Comandante Guélas um abaixo-assinado a pedir a Nossa Senhora o regresso do dito em vez de chuva. E outros acrescentaram ao pedido o envio imediato do Pingamisú para Macau, sem possibilidade de retorno. Mas havia um problema, o Bill vivia num vigésimo terceiro andar, só usava elevador para descer e nas ascensões só passava pelos andares ímpares.
- Assim nem a Virgem lhe consegue deitar a mão, - queixou-se o Caveirinha, um devoto do desempenho futebolístico do referido comunista.
- Agora não dá para ir buscar o nosso querido Bill, começaram a soprar umas bufas e os chinocas desataram a tocar as sirenes de avisos de tufão. É por isso que o Graise está proibido de ir a Macau, punha os amarelos em confinamento permanente com cada cavilha que soltasse, incluindo o Bill.
Enquanto isso, na Pampilheira, o Sarapito, gabava-se da amizade de 45 anos com o Marreco, Bossus para os belgas:
- Vamos comemorar com umas cervejinhas, - propôs o irmão do Tio Kiki.
- Bossus, viens ici payer, - chamou o irmão do padre mais tarado da vila, que já estava junto ao balcão.
- Esqueci-me da carteira em casa!
O Marreco estava traumatizado há muitos anos, porque o Carlos Ponta devia-lhe ainda 5 escudos pedidos à porta do Jorge Silveira, e o Pica 14 escudos, por isso ainda não se conseguia reformar. Quem andava em roda livre era o filho do Presidente, o Presidente Júnior, futuro Presidente do Futebol PA, que bastava dizer o apelido à bófia, para que eles lhe fizessem uma continência, seguido de cumprimentos ao seu “paizinho”. Quando ia de mota para a noite de Cascais prego a fundo, levava sempre a cabecinha ao léu, e era só escolher a festa, bastava mostrar o BI: Costa Gomes! Uma recusa era motivo para acusação de “fascista”. Na Curva dos Raposos havia festa na casa dos pais, que estavam na Bélgica a descansar dos filhos. E ainda por cima era ano do Mundial. O Morris Mini do avô pegava com ligação direta, depois de um gamanço de 5 litros de gasolina, e guinchava nas ruas das redondezas cheio de tenrinhos, como o Capitão Porão gostava, mas só alguns do Pica alinhavam. E havia mais! Na doca de Belém, os raposões tinham um barquito, constantemente gamado pelos filhos e amigos, que rumavam sempre em direção a Cascais para fazer shows de sku, pois o único que conseguia chegar ao Ski era o Big Mac! A estória do dia tinha a ver com História. Na sede do Clube Desportivo de Paço de Arcos o empresário Pierre Pomme-de-Terre revelava, em primeira mão, que a Tita dos Pés Sujos, musa do Bajoulo, chamava-se na realidade Anastasia Nikolaevna, filha do último Czar da Rússia, assassinado pelos amigos do Bill.
- O meu táxi, o meu táxi, roubaram-me o táxi, - gritou o Carinha da Avó entrando de rompante na reunião.
O Marginalíssimo e o Bar “Cu à Vela” eram antros de política e de futebol, onde gente de todo o calibre discutia todos os assuntos com a língua afiada e a alma a ferver. Por vezes o caldo entronava: o Bigas aparecia de pistola, o Carinha da Avó sacava de uma faca e o Frederico, não o dos jornais, com muletas. A batota das noites sempre ajudou a aumentar os pecados dos dias. O Drenos, dono e senhor do balcão do bar do Tolas Monas, tinha sempre o cuidado de passar a sarda, carregada de quinino, no fiambre da tosta mista dos clientes, tornando-as superlativas, transcendentes, precursoras da comida gourmet. O senhor Daniel José Martins de Almeida mandava no “Cu à Vela”, e protegia-o com unhas e dentes, neste caso com uma vela e Sheltox, cujo líquido o transformou um dia num conguito. O ganha-pão do Carinha da Avó tinha sido vítima de todas estas movimentações políticas e futebolísticas, o Pontas entrara para o lugar do condutor, o Frederico, não o dos jornais, para o lugar do morto, e tinham desaparecido no meio do nevoeiro com o Nissan Bluebird HL-07-37. O Bill viu os meliantes e fez queixa à PIDE, Polícia de Investigação e Defesa da Esquerda, que transmitiu a informação ao dono, que também era do Comité Central. A retaliação não se fez esperar, o Sarapito e o Carinha da avó roubaram o barco do Carinhas e zarparam para o Bugio. Mas a corrente e a ondulação eram tão fortes que a gasolina só deu para metade do percurso. Felizmente o Álhi acionou os socorros e os náufragos foram salvos. Caso não o tivesse feito Paço de Arcos perderia para sempre dois dos seus mais queridos filhos, a seguir ao Milhas.