Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

República Independente do Alto de Paço de Arcos

Toda a zona ocidental da Península Ibérica está ocupada pelos portugueses…toda? Não! Uma vila habitada por irredutíveis paçoarcoenses conseguiu a sua independência 19 meses depois do 25 de abril de 1974!

Toda a zona ocidental da Península Ibérica está ocupada pelos portugueses…toda? Não! Uma vila habitada por irredutíveis paçoarcoenses conseguiu a sua independência 19 meses depois do 25 de abril de 1974!

República Independente do Alto de Paço de Arcos

28
Nov20

5ª Temporada - Escaras Vermelhas (10)


Comandante Guélas

Henrique da Rebelva 1.jpg

10

O Bill tinha dois desejos, visitar o mausoléu do Lenine na Praça Vermelha, e o quarto onde Jacinta passara 12 dias (21 de janeiro a 2 de fevereiro), no Mosteiro do Imaculado Coração de Maria das irmãs Clarissas, antes de ter sido internada durante 18 dias no Hospital Dona Estefânia, onde faleceu. Para ele este era o local onde sentia mais de perto o amor da sua vida, a Lúcia, que tantas vezes lhe vinha à memória quando lia uma “Gina”. O estranho fetiche de uma “menage à trois” com o ateísmo e a religião atormentava-o desde o 25 de abril, por isso pensamentos destes faziam parte do Índex do Comandante Guélas, que os classificava como “Escaras Vermelhas”, que tinham de ser erradicadas da superfície da vila no Campo de Reeducação dr. Ánhuca na Terrugem de Cima. Estava o Bill perdido em pensamentos libidinosos com a pastora quando alguém lhe tocou nas costas:

- Já casou?

Virou-se e deu de caras com o poeta Henrique, não o Castanho, mas o da Rebelva:

- Sim, - respondeu.

O artista riu-se feliz e exclamou:

- Teve sota!

E entrou no quartel da Medrosa:

- Ó amiga! Tem bivaque?

Como bom comunista este encontro era uma boa ocasião para ser visto lá de cima pelo Vladimir e a Jacinta, para que intercedessem por ele em Paço de Arcos, pondo no seu caminho outra pastora, mas de santolas, a Tita dos Pés Sujos.

- Ó Henrique, queres vir comer ao Arvoredo? – Perguntou.

O poeta voltou para trás e gritou:

- Ó pipi toma lá grão. Aí ó gaba lazão!

O Bill conseguiu resistir à tentação do diabo, que a maioria não conseguia, de juntar ao leite do convidado um copo de bagaço. Como forma de agradecimento o Henrique, não o Castanho, mas o da Rebelva, fez um estalinho com um indicador na boca e simulou dar um soco no comunista amigo. Estavam calmamente a comer uma torrada, quando entrou no café a Odete Estica e o marido que, ao ver o poeta, saudou-o com dois dedos em “v,” e o nariz no meio:

- Não vais ao cinema, tens as calças rotas!

As torradas voaram, uma côdea entrou com violência no decote da Branca de Neve, o Henrique, não o Castanho, mas o da Rebelva levantou-se com ódio, deu um grito profundo, “carau, carau”, seguido de uma cabeçada na parede, junto ao wc onde defecava descontraidamente o Ben-Hur, caiu assustado com o cagalhão a meia-haste, que se partiu em dois, um rebolou para trás da porta e o outro ficou espalmado numa nádega. Mais tarde a parte intacta iria colar a porta à parede quando do fecho do estabelecimento comercial durante a ronda do Manel Coxo. Mal ele sabia que no outro cagatório a cena se repetiria, não com uma metade, mas sim com um chourição que o Focas fizera questão de arrear naquele local.

- Outro!!?? – Gritou, desafiando todas as razoabilidades.

O café “Arvoredo” arriscava-se a fazer frente ao Chalé da Merda! O ritual com o Manecas Marreco, que vendia a lotaria numa cadeira de rodas, era sempre respeitada: Os clientes após comprarem a fração, roçavam o bilhete na marreca para dar sorte. No Cineteatro de Paço de Arcos a tradição mantinha-se, a seguir a um filme indiano rodava sempre uma produção da propaganda paçoarcoense, desta vez com o título “Alice no país das maravilhas”, que contava a estória do retornado Alice, o único que não fora desterrado para a Tapada do Mocho por ser o irmão adotado do Jorginho, e que trouxera um caixote de África, não com móveis, mas carregadinho de erva, cujo produto mudou para sempre a maravilhosa vila-Estado de Paço de Arcos, despertando para a vida muitos adolescentes promissores: Tubarão, Pingalim, Balatuca, Taka Takata, Grilo, Janeca, Ponto de Interrogação, que fundaram os “Vencidos da Erva”, e declararam o Céu de Paço de Arcos o mais alto da Costa do Estoril. Junto com o Alice contracenava o Chapeleiro Louco, um fabuloso desempenho do Chora na Penca, a que se seguia a Rainha da Copa, com a inesquecível Tita dos Pés Sujos na cozinha do pai Xantola. Havia quem dissesse que o Alice era a reencarnação do Desejado, um maluco da vila chamado Sebastião que um dia resolvera ir dar porrada aos queques da avenida de Roma e não voltara, criando o mito de que só regressaria numa noite de nevoeiro na Praia Velha. Por isso muitos passaram a alimentar-se somente de sumo de uva e erva do Alice. Mas o único que chorava sempre de cada vez que via a peça era o Milhas!

23
Nov20

5ª Temporada - O Milagre (9)


Comandante Guélas

Bar Cú à Vela.jpg

9

Estava a irmã do Quim a ser lambida pelo magala 369 do quartel da vila, em cima duma pia na Terrugem de Cima, quando são interrompidos por uma gritaria:

- Milagre, milagre, mas desta vez não está em cima de uma azinheira!

Voltou-se para trás e viu três vultos ajoelhados, o Ánhuca, o Bill e o Zé dos Porquinhos. O rapaz do meio tinha sido mandatado pelo Fé, o Edmar e o Manel Anarca do Comité Central de Porto Salvo para explicar à rapaziada as vantagens duma cooperativa na zona:

- As ovelhas não são tuas, pertencem ao povo.

- Ao povo?

- Sim, mas continuas a poder montar na Franjinhas!

- E tu?

- Eu também poderei.

- Mas a Franjinhas é minha, e eu não sei onde andas a meter a gaita.

- Não, a Franjinhas passa a ser do povo!

- Do povo??? - Indignou-se o Ánhuca. – A Franjinhas é minha e só minha!

- E os teu porcos Zé?

- Os meus porcos o quê?

- Não queres entrega-los à cooperativa?

Mas um “ai” mais sonoro da Anita Carapita Carapau Sardinha Frita chamou à atenção os imberbes, e o que viram estava desfocado, mas dava para perceber que era uma mulher de branco sentada numa pia. O inquérito foi entregue ao general Bidon, agora no papel de bispo, gordo como uma porca parideira, pele engordurada, pescoço avolumado pelas alheiras, seios salientes sobre a batina. A biodiversidade de Paço de Arcos causava inveja em toda a Costa do Estoril burguesa. Mas o que estava na memória de todos era o casamento real entre a Quitéria e o Craveiro Lopes:

- Idade da senhora Quitéria da Conceição? – Perguntou o padre.

- Quarenta e sete anos, - respondeu baixinho, ajeitando os sapatos brancos e bicudos nos pés já doridos.

Um fragmento do passado iluminou-lhe as memórias do dia em que chegou à sua barraca na Terrugem de Cima aflita dos pés, e pediu ajuda ao futuro marido, que se prontificou de imediato a ajudá-la, trazendo um alguidar, onde ela colocou os pés, e ele uma panela de água a ferver. Teve um desejo impossível de voltar à infância, mas já não tinha fé, nem crença, apenas atividade.

Nascera em Paço de Arcos em 1924.

- Idade do senhor António Filipe?

O rosto do Filipe estava imobilizado, os olhos fixos, de um modo vago, na Cruz pendurada na parede à sua frente. Durante alguns segundos permaneceu assim, imóvel. Até que um velho com a impaciência apoiada numa bengala disse:

- Craveiro Lopes!

Todos riram. O noivo moveu-se um pouco, estalou os lábios, e os olhos deslocaram-se para o local de onde tinha saído o grito. O rosto não tinha qualquer expressão. A noiva deu-lhe um puxão com o braço. Ficara com alcunha de presidente, pois este um dia visitara a vila e ambos estavam vestidos com fatos irrepreensíveis e ostentavam formosos bigodes, que levou o visitante, para desanuviar o clima, a dizer que tinha à sua frente o seu irmão gémeo. Multiplicaram-se os ruídos: tosses, passos, espirros, respirações, zumbidos. Filipe era um homem tão carismático quanto invulgar, com uma solidão sem alívio, a lidar com a sua culpa e o ódio aos outros.

- O senhor é natural de Aveiro? – Perguntou o padre, trazendo-o de novo à realidade.

- Aveiro, Requeixo, 1918.

- Eu vos declaro marido e mulher, - disse o padre, aproximando os braços elevados para a assistência, fundindo aquelas almas uma na outra, numa união tão absoluta que apagou a sutura que as juntou.

Ao entardecer a vizinha Natividade, outra das suas musas, foi-lhe levar um presente, uma caixinha de bolinhas de chocolate. Riu-se e agradeceu:

- Um dia ainda hás de ser minha, - respondeu, tentando agarrá-la, sinal de que não conseguia controlar as emoções e as paixões.

Mas a moça fugiu. Quando Filipe trincou o primeiro doce, apercebeu-se que o pasteleiro tinha sido o Ánhuca, mais precisamente uma das suas ovelhas. Saiu irritado de casa e atirou com raiva a caixa à porta da sua outra paixão, chamando-lhe nomes feios e prometendo coisas horríveis. Craveiro Lopes era um homem bem parecido, mas andava desgrenhado, malpronto, mal lavado, que vagueava sem eira nem beira, dormia em qualquer lugar, como se tivesse um contacto muito ténue com o mundo dos vivos. E no Santo António de 1983, 13 de junho, deu-se novo milagre, o Milhas ganhou na Lotaria e gritou:

- Porque é que eu vim para este mundo? – E deixou crescer a barba.

No Pontão PA a rapaziada gritava para o Nevoeiras:

- Radar acusa!

- Acusa vento norte, - e dizia adeus aos imberbes.

Atrás dele seguia o Edmar no seu “Couraçado Potemkim” e o Pau Preto no “Caraucarau”, restos da frota social-fascista do Sul, derrotada pela Invencível Armada do Comandante Guélas, o Querido Líder de Paço de Arcos, cujo navio almirante era o lendário “Carapau Cocciolo”. No cineteatro de Paço de Arcos havia lugares reservados na primeira fila para os intelectuais da vila, o Henrique da Rebelva, o Charlot e a Lucinda Careca, mãe do Álhi. A sessão de esclarecimento era da responsabilidade do Marques Capitão, mais conhecido por “Eu Sei Tudo”, que iria explicar à rapaziada as virtudes do novo regime:

- Acabou-se a comunistada, o Bill não virá para aqui de novo gritar “a terra a quem a trabalha, o mar a quem o navega”. Estou aqui para responder a todas as vossas perguntas com honestidade. O Nequinhas levantou de imediato o braço e foi autorizado a formular a pergunta:

- Ora dá-me aí a chave do Totobola da próxima semana!

15
Nov20

5ª Temporada - O Leproso (8)


Comandante Guélas

Hoquei PA.jpg

8

A biodiversidade de Paço de Arcos causava inveja em todos os territórios vizinhos. O Fininho encontrava-se na extraordinária posição de ter visto mais da munificente fauna paçoarcoense do que qualquer outra pessoa, numa carreira que começara muito antes da “Era do Biloceno”, período de instabilidade política. Por isso o Comandante Guélas de cada vez que discursava sabia que se dirigia a um povo mitológico que, unido em torno de uma causa, faria o que era preciso para alterar o curso dos acontecimentos. Era por isso que o irmão padre do Sarapito dizia que Deus só podia ter encarnado num paçoarcoense. Ainda o Banksy andava a saltar de colhão em colhão, e já existia o Bajoulo, a cevada era a sua musa inspiradora, a Tita dos Pés Sujos a razão da sua poesia:

“Numa noite de copos

Com o meu chouriço rijo

O teu nome escrevi

Com um jato de mijo.” 

A notícia do dia correu velozmente pela vila-Estado, o Cociolo não estava infetado com “gonorreia” como se temera, mas tinha somente lepra, por isso merecia uma condecoração, “Grande Oficial da Ceroula Cagada”, por proporcionar a Paço de Arcos a exclusividade de ter o único leproso da Costa do Estoril. Iria fazer parte da agenda cultural de Miss Eunízia na Feira de verão, que dispensara a mulher cobra e exibia agora cartazes do “Homem Mamalhudo”, uma obra prima do Cinzento, que o assistira durante uma partida do Futebol PA, em que torceu um pé, e ganhou um par de mamas, o único material médico que o doutor tinha na mota.

- Não costumo andar com ligaduras, essas próteses vão-te fazer esquecer a entorse.

O “Homem Mamalhudo”, de seu nome Dic, apresentava-se como descendente bastardo da Brites de Almeida, que engravidara o seu penta avô por o ter confundido com um castelhano. A violadora tinha seis dedos em cada mão, e ele herdara, devido à lotaria genética, três colhões, que o prejudicavam no jogo da bola. Uma concentração na Avenida apanhou de surpresa as autoridades, e o próprio Bill, agora do lado dos vencedores. Os comunas que ainda restavam, Titó, Balacó, Canocha tinham ousado fazer uma manifestação solidária com o leproso:

- Cociolo para a Sibéria, já! – Gritou uma tal Ana Gomes, adolescente de género indefinido, com um bigode maior que o Arnaldo, sovacões burgueses, e uma boca de fazer inveja a muitas das empresárias do Pimenta.

Por isso o Pilas quando a viu na entrada da marginal perguntou-lhe:

- Ó puta quanto é o broche?

O que a indignou:

- Ó rapazinho, os seus pais não lhe deram educação?

Ao que o imberbe emendou, corado:

- Ó senhora puta, quanto é o senhor broche?

Já não bastava os social-fascistas terem enviado para a URSS todo o arquivo da PIDE, principalmente a lista com os nomes dos bufos, que serviu para edificar uma lista parlamentar. As “Marionetas do Barreirinhas”, queriam agora privar a vila-Estado de Paço de Arcos do seu diamante. Miss Mízia, e uma torrente de reações indignadas, pediu ação firme contra a escumalha:

- Despedi a “Mulher Cobra”, e agora querem tirar-me o leproso com a adolescência mais complicada? O Texas tem os poços, nós temos o Cociolo!

A produção do material de tortura foi aumentada, o Bajoulo e o Ánhuca não tinham mãos a medir, no “veste-aguenta-despe” de cuecas e meias, e a qualidade do produto ressentiu-se.

- Para a tortura ser eficaz umas cuecas do Bajoulo têm de estar pelo menos uma semana a marinar, e não um dia como agora, - explicou o Cientista Maluco à “Voz de Paço de Arcos”, dirigida pelo Sete Escadas.

A tensão agravou-se, os operários da Couraça juntaram-se aos da Jomarte e solidarizaram-se com o Leproso, o Bill não sabia em que equipa jogar, e o Querido Líder chamou ao alto da vila o temível tenente Proveta, que ameaçou com o Estado de Urgência, e ordenou o enchimento de sacos de pulgas do mar, não para serem largadas no comboio como do costume, mas sim como bombas biológicas sobre os vermelhos, que ousavam desafiar o poder do Comandante Guélas. A distribuição de condecorações encheu o peito dos fiéis, a “Brigada do Pneumático” cerrou fileiras em torno do regime democrático do Querido Líder: Grã Cruz da Praia Velha; Grande Oficial da Ceroula Cagada; Comenda de Mérito Desportivo Grande oficial das Fontainhas e do Oficial Morto; Comenda de Mérito de Feitos Militares; Grande Oficial da Couraça; Grande Colar da Ordem do Bugio; Comenda de Mérito Literário Grande Oficial Avô Leão; Ordem do Chalé da Merda e Espada; Comenda de Mérito Científico Grande Oficial do Marginalíssimo.

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub