5ª Temporada - O Eclipse (12)
Comandante Guélas
12
No dia da homenagem aos homens da bola deu-se um novo milagre, um eclipse na praia velha, fenómeno que foi de novo oficialmente atribuído aos poderes sobrenaturais do Comandante Guélas, mas que teve uma mãozinha de um jovem promissor gordo de óculos, Tino para os amigos, Isaltino para o Querido Líder, que se revia no petiz e lhe prometia um futuro radioso como Comandante Guélas II, o Papoila Saltitante. Para isso o Tino contratara o Tolas Monas para passar junto da Praia Velha no seu Austin Healey na altura do Ocaso do Sol. Quando a fabulosa cabeça, digna de subir ao palco no espetáculo anual da Feira de Nosso Senhor dos Navegantes de Miss Eunízia, Misionisia para os mais íntimos que, segundo o seu agente Pierre Pomme-de-Terre, se alimentava de coelhos vivos de quinze em quinze dias, e que nas noites de Lua Cheia se transformava na “Mulher Cabeça”, e nas de Quarto Minguante em “Mulher Serpente, tapou o Astro-Rei, uma assustadora sombra projetou-se sobre o areal, ouvindo-se um grito assustador:
- Vêm aí os comunistas!
- Calma, calma, é só fumaça, - gritou o jovem Tino, estrategicamente colocado no telhado da barraca dos gelados.
E foi sombra de pouca duração. Meio minuto depois o Tolas Monas arrancou no seu IF-82-28 e o Sol radioso aqueceu de novo os corações dos paçoarcoenses.
- Que se inicie a festa da bola, - ordenou o Luís de Espanha, futuro sobrinho do Papoila Saltitante.
Portugal tinha o Eusébio, Paço de Arcos o Pingamissú. Ambos tinham vindo de África, o preto viera comer marisco, tremoços, o branco levara cartão vermelho, e era agora recebido na Portela pelo Preto, sinal de que o Comandante Guélas escrevia sempre direito por linhas tortas. O Pingamissú depressa se revelou um mestre artístico e espiritual na arte de dominar as bolas, era um orgulhoso e inspirado futebolista autodidata, que estagiava sempre nas Termas dos Cucos, perto de Torres Vedras. A dona Maria dos Prazeres, senhora de um conhecimento profundo da estância, ainda se lembrava da jovem promessa do Futebol P.A.:
- Vinha para aqui gente de todo o lado e não havia ninguém que não saísse melhor do que quando entrava, exceto esse jogador mítico da Costa do Estoril, - disse um dia, com uma voz embargada pela emoção.
Era a tristeza de uma septuagenária a quem lhe fora retirado um bem imaterial para a sua vida. Dizia a biografia oficial que o Pingamissú nascera algures no século XX, em Maquela do Zombo, e emigrou aos 10 anos para a ilha do Cabo, em Luanda, onde deu nas vistas um dia no mundo futebolístico da zona, dominando os cocos como ninguém. Para quem nunca acreditou nas qualidades deste jogador mestiço da Tapada do mocho, nenhuma palavra bastava; e para quem acreditava, como o Milhas, nenhuma palavra era necessária. Quando todos pensavam que o francês Jacome Ratton era um antepassado do jogador de chuteiras verde alface, com genética aborígene, eis que a verdade foi revelada, o parente afinal era o Pingamissú. O segredo dos autogolos do Bill, um jogador com sangue Numídio, estava no treino, porque só o fazia em ambiente pinus canariensis, por isso o Milhas, com genética berbere, nunca aceitava essa libertinagem futebolística do colega de partido da mulher:
- Vê lá se marcas na baliza certa, - gritava o dono do Sinai, um canis tufu constanti, lançando brados estridentes, numa orgia de infelicidade. – Porque é que eu vim para o Lagoas Parque?