6ª Temporada - Os Encavados do Potenkim (3)
Comandante Guélas
3
O Janeca acordou ao som do “É Motorista”, abriu um olho, os beiços gordos da amante evidenciaram-se, e empurrou a prima bigodes dos Ratos para o lado. Os poucos neurónios que resistiram aos produtos do Grilo e do Alice reagiram, viu-se envolto por um vento e uma tempestade, não do domínio do ar, mas da pandeireta da musa, e gritou nervoso:
- Epá querida, pareces o Focas!
Mas a música erudita paçoarcoense continuou imparável a bombar dentro do seu coco. O “É Motorista” sobrepunha-se aos outros géneros musicais que o Janeca ainda conservava numa memória carunchosa algures nas profundezas da sua massa gelatinosa forrada de caliça. Reparou então que o som vinha da praceta, não que o Taka Takata estivesse a dançar na rua ao som da música do Bob Marley, mas sim dos “Estúdios Jomarte”, onde o Zé do Fotógrafo estava a redecorar a montra, a tirar a sua foto com hastes de veado, homenagem do Sarapito, depois deste ter visto o Fice a provar a sua noiva, a Mula do Ártico, pondo no lugar um cartaz da nova superprodução daquele espaço comercial: “Os Encavados do Potenkim”. O Edmar, primo do Titó Canocha, era tão comuna que tinha batizado a sua chata com o nome do couraçado russo. No dia D, no desembarque dos libertadores do Norte, ficou encurralado ao largo da Praia Velha, na companhia do primo e dum jovem da UEC, o Bill. Por isso, nos 47 anos da anexação de Paço de Arcos Sul pela República Independente do Alto de Paço de Arcos, o Comandante Guélas ordenou aos “Estúdios Jomarte, a Hollywood da zona, a rodagem de um filme, que mostrasse à juventude como é que pensavam os jovens extremistas da esquerda nos anos setenta. A cultura da vila de Paço de Arcos tinha vários nomes, Animatógrafo, Valentim de Carvalho, Cine Chaplin e Jomarte. Quando o produtor Bigornas, o Spielberg da Costa do Estoril, anunciou o filme, a Califórnia assustou-se. Para a história do cinema ficara a célebre superprodução “O Eletricista”, que fizera tremer “O Mecânico” do Charles Bronson, nome adotado mais tarde pelo Conan Vargas. A fama da Jomarte chegava até ao Jota Pimenta, as suas fotos para os passes da Linha do Estoril eram famosas, o Bigornas era um artista sensível e platónico, um Sísifo paçoarcoense que passava os dias a transportar uma bilha de gás para a casa de uma adolescente alemã, vizinha da Lena Lentes, a sua musa inspiradora, tal como fora Gala para o pintor catalão Dalí. O maior motociclista de todos os tempos, Mac Macléu Ferreira, tinha o quarto forrado de fotos de passe da sua amada, uma espécie de Taj Mahal. Após ter comprado a fotocopiadora mais moderna da vila-Estado, o Bigornas tornou-se no cineasta paçoarcoense do novo regime. Na Cultura, Paço de Arcos somava e seguia, em 1851 na Grande Exposição de Londres fora exibido o maior diamante, o Ko-i-Noor, a Montanha de Luz, pertença das Joias da Coroa, em 1975 na Grande Exposição do Chalé da Merda foi exibida a pedra preciosa da vila-Estado de Paço de Arcos, o Ku-du-Focas, o maior cagalhão fossilizado do mundo, encontrado num dos vidros do restaurante do senhor Xantola. O possante regime do Comandante Guélas substituíra o decrépito Império Britânico, o olfato subjugara a visão. E foi neste ambiente de festa que os “Estúdios Jomarte” apresentaram no Cine Chaplin os “Os Encavados do Potenkim”, uma estória que contava a libertação de três adolescentes, um preso nas garras do regime social-fascista derrotado, os outros dois escravos do amor. Uma das sequências mais paradigmáticas leva-nos ao início do filme, onde vemos uma fila a perder de vista de clientes à porta de um fotógrafo, enquanto o dono degusta nos bastidores, não a sua namorada “Bratwurst”, mas sim um “Tio patinhas”, e esta personagem xamânica só irá para o balcão, em estado letárgico, quando acabar o livro, ou seja, no fim do filme. Até lá um loirinho caixa-de-óculos entra num quarto forrado de fotografias de passe de uma adolescente também com óculos e grita:
- Abaixo a Lentes, fascismo romântico nunca mais!
Segue-se outro adolescente em crise, um caixa-de-óculos gordo, com um brilho possessivo nos seus olhos porcinos, atira uma bilha de gás pelas escadas de uma vivenda e berra:
- Kica nunca mais, - levantando a mão gorda de dedos curtos e rebolando os seus quadris apertados, acabando com vários anos de tirania, desde que uma alemã o conquistara com o bafo da “Bratwwurst” do vizinho.