6ª Temporada - Easy Riders (6)
Comandante Guélas
6
O maior motociclista de todos os tempos na vila-Estado tinha um nome, Mac Macléu Ferreira, por isso a toponímia recordava-o para memória futura: Avenida Mac Lula, Praceta do Ferreira, Rua Macléu, Largo do Caixa de Óculos Loirinho. Mas na Terrugem de Cima, junto ao Beco das Pias, havia a Praceta do BigMac, cuja legenda dizia “só eu sei conduzir em duas rodas”. E o que conta a Verdadeira História de Paço de Arcos sobre esta personagem que dizia viver no Poço do Inferno? Classificava-o como o Arsène Lupin da Costa do Estoril e arredores. E foi por causa de um encontro do terceiro grau em 1975, trauma que nunca conseguiu superar, numa noite muito escura junto ao Luz Bay Club, que o pescador Tóni Monga se apresentou em 2007 na esquadra de Lagos a dizer que tinha visto a Maddie:
- A miúda ia enrolada num dos colchões azuis que o futuro pai do Maninho Ensina levava debaixo dos braços. Mas mesmo encadeado por um projetor, ainda lhe vi os pés tipicamente ingleses! Passaram por mim à velocidade do som, ouvi o barulho ensurdecedor dum peido, numa Hércules 50, que só podia estar a ser conduzida por um profissional. E deixaram cair uma garrafa da UCAL, de chocolate, nada mais!
O Todo Boneco também tinha fama, não nas duas rodas, mas no uso das duas bolas. Era o predador de sopeiras com calipígia mais elegante e digno da vila-Estado de Paço de Arcos, comia exatamente o necessário, nem mais nem menos.
- Uma pandeireta por dia dá tesão e fá-los encher!
A Hércules do Necas, tripulada pelo Focas, que levava o Caveirinha à pendura, tinha acabado a viagem num cruzamento em Santo Amaro de Oeiras, contra um Peugeot 504.
- Vi dois imberbes a voar à frente do meu para-brisas, - declarou o velho às autoridades, que o prenderam por “alucinação alcoólica”, uma nova lei do Chefe Bigodes.
O problema do momento era a praga de Mobylettes e afins na vila-Estado, que comprometia o trânsito:
- Demoro uma eternidade a ir do Manuel da Leitaria à Avenida, - queixou-se o Professor Coelho às autoridades, olhando para o Olho Vivo montado na sua Maxi-Puch azul pipi, seguido pela do Chinês, sem pedais e com escape de rendimento, da futurista Sachs 2 do Monhé e da Honda do Pilas.
Foi na tarde de um sábado solarengo que o Choné arrancou do café Piccadilly na sua Cabalero Amarela de 50 cm3 com 6 velocidades, mais não foi longe, junto ao café Yolanda, na outra ponta da praceta, marrou na frente esquerda de um Datsun 1200, voando por cima do capot, em cuja queda deixou um tufo de cabelos no alcatrão. A assistir à cena estava o Filho do Presidente, o BigMac e o Manuel Elétrico, que comentou:
- A andares assim de mota vais chegar aos quarenta careca!
Foi de imediato sancionado com um estalo pelo BigMac:
- Não te admito que desejes que o meu amigo Choné chegue à meia-idade coxo e careca, ó Rabinho dos Bosques!
Meia-hora antes, ainda com o Choné na esplanada, o Manel Elétrico dera show ao tentar arrumar o carro junto à drogaria:
- Pôr a marcha-atrás com a manivela das mudanças enfiada no cu não deve dar muito jeito, - exclamara o Filho do Presidente.
Mas a notícia principal da Voz de Paço de Arcos foi dada em julho de 1975, quatro easy riders de 50 cm3 e de nacionalidade paçoarcoense, a caminho do Algarve, com tendas e mochilas. A entrada no cacilheiro do Cais do Sodré não passou despercebida, o Primo João Choné numa Casal 5, o Jorge LC montado numa Sachs 5, o BigMac na sua Casal 5 e o Choné na famosa Cabalero. O itinerário levou-os até Santa Margarida do Sado, onde desviaram para Alvalade em direção ao Cercal. A ponte de Vila Nova de Milfontes foi depois construída à pressa, porque o Comandante Guélas ameaçou conquistar a zona caso os seus easy riders não tivessem a vida facilitada no ano seguinte. Ainda foram obrigados a dormir num saco-cama no meio de um pinhal cheio de mosquitos, papel higiénico, camisas de vénus e cagalhões, e comerem salsichas com pão. Acordaram com o sol a queimar-lhes os corpos, tenrinhos para o Rabinho dos Bosques, que seria depois reforçado pelo Capitão Porão, tomaram café no Cercal e arrancaram para Odemira. Na hora de almoço pararam na bomba de gasolina do Rogil, a 30 quilómetros de Lagos. E eis que 3 GNR entraram no café armados em autoridade e perguntaram:
- De quem são aquelas motas que estão ali fora?
- São nossas, - respondeu o Choné levantando o braço.
- Documentos!
Vivia-se num tempo em que os chuis podiam roubar à fartazana, por isso um deles meteu os livretes no bolso e ordenou:
- Venham até à esquadra de Aljezur, atrás do jipe!
Pararam na rampa que subia para a igreja e foram convidados a entrar para duas celas gradeadas, com vista para o casario. O da Cabalero e o da Sachs 5 numa, os das Casais noutra. E quando o interrogatório começou ouviram o barulho de uma Honda 50 e viram a silhueta de papagaio do condutor, mas mal sabiam que era o Bacaus, um paçoarcoense que todos os verões rumava a Lagos com a promessa de ir “foder à cagão”. Iriam ficar com os restos!
O dia acabou na vila-Estado de Paço de Arcos, o Graise dera boleia ao Peidão na sua Maxi-Puch, ambos com as cabecinhas ao léu, e na rua Lino de Assunção, em direção ao Matadouro, foram detetados por dois cabeças de giz que lhes deram ordem para parar. O condutor simulou não ter os travões adequados para parquear onde os chuis tinham indicado, simulou que estava a travar também com os pés, mas quando passou pela autoridade acelerou. No seu encalço foi um agente a espumar da boca, de braço esticado a aproximar-se do Peidão, que lhe fazia manguitos encorajadores, mas felizmente o peidociclo atingiu a velocidade máxima e deixou o perseguidor para trás!