2ª Temporada - A Festa do Creolina (10)
Comandante Guélas
Episódio 10
No Coreto da Avenida, o Speakers’ Corner paçoarcoense, dois cidadãos discutiam com veemência:
- Quem manda no futuro é o presente e não o contrário, - gritava um retornado de nome Pingamisú.
- O futuro não existe, já que só passa a existir quando é presente, - discordava o Choné, puxando a franja para o lado.
- Pois fica sabendo que me fixo no futuro, porque é nele que vou viver o resto da minha vida, jogando futebol, - retaliou o preto branco.
Mas o beatle Choné estava imparável:
- Iluminarem o caminho, tirando das trevas os que ali andam perdidos, não é fácil. Há um monte de burros comunas na parte de baixo da vila, mas o nosso Comandante Guélas com a sua paciência infinita, e muita tranquilidade, conseguirá mostrar-lhes o caminho certo. Mas se não conseguir, só com muita porrada.
O retornado retaliou:
- És muito limitado, aconselho-te a estudares Letras, porque nas Ciências nunca terás hipóteses. É evidente que podes ir ao futuro e vires-te, como conseguiu Einstein após esgalhar muito o frango. Se andares à velocidade da luz e levares um pau com uma vela pendurada à frente, logo estás mais rápido do que a luz e para voltares, apontas o pau para trás. Tem de ser uma vela do Zé da Antónia, porque as do Severino Seco são fraquinhas.
Mas a vila estava mais virada para o farrobadó do que para a intelectualidade. Por isso as festas mais famosas de Paço de Arcos eram repartidas por dois colossos, o Creolina do Sul e o Bakaus do Norte, o que ia todos os verões para o Algarve montado na sua Honda 50 “foder à cagão”. O Creolina contratava sempre o Choné para explorar o bar, e insistia em manter a zona recreativa na total escuridão, incluindo a luzinha vermelha do gira discos, que era tapada com um bilhete de elétrico. Por isso quem levasse a namorada não a podia perder, porque caso acontecesse, só a conseguia encontrar aos apalpões. E muitas vezes quando a descobria, ela já estava a lambuzar-se com outro.
- Foi sem querer, - justificavam-se a maior parte das meninas desonestas.
No Pica o Nando Maluco pedia, com a sua gentileza característica, algo ao ouvido da namorada:
- Bombom, fazes um favor ao Nandinho?
- Tudo o que quiseres, meu Petit Patapon!
- Tira-me o lenço que está no bolso, para limpar as mãos sujas de óleo da mota
Ao mesmo tempo que a jovem introduzia a mão direita no bolso esquerdo do namorado, mexia o chá com a outra, e sorria para a tia que estava à sua frente. Não encontrou o lenço, mas sim uma cobra desaçaimada!
- Há quanto tempo é que namora com esta jóia de rapaz? – Perguntou a idosa com o cabelo eriçado como o Moisés quando desceu da montanha.
O Nando Maluco teve o dom divino de deixar a sua marca em Paço de Arcos, por isso a vila em termos religiosos foi sempre muito rica. O facto mais parecido com uma aparição de que há registo na gloriosa vila de Paço de Arcos, foi quando o Espalhinha, não sob o efeito do vinho como os pastorinhos, mas sim por simples ingenuidade fez a pergunta fatal na catequese:
- Senhor padre, os Arcanjos têm asas?
O estalo que levou do representante do Senhor, não o nosso Querido Líder, mas Outro do andar de cima, foi tal, que o pequenito ficou a ver estrelas, a ouvir gambozinos, e há quem diga que a partir dessa data o cabelo encaracolou. Com a conquista da vila o Comandante Guélas declarou que Deus era um “mamífero gasoso”, por isso havia muitos candidatos ao lugar, daí a proliferação de igrejas: Mormons, IURD, Igreja dos Últimos Dias na Praia de Santo Amaro, os Milhas, os Filhos das Fontainhas.