4ª Temporada - O Terrorista (10)
Comandante Guélas
10
Quando a “Limousine de Luxo” CI-90-20 do Tribunal do Santo Ofício da República Independente do Alto de Paço de Arcos (TSOR) passou pela porta do Papagaio, dirigida por um agente com um cabelo à caniche, a deslocação do ar deitou os guardanapos, as pevides e os tremoços do Pinguim abaixo, levantou as saias da Maria das Bicicletas, deixando à vista o Cabrita, que estava a mudar o óleo, e o Todo Boneco gritou da porta do Manuel da Leitaria:
- Espera aí que já cospes!
Era a senha para avisar da presença de um comunista. Até um cartaz a anunciar o espetáculo no coreto do grupo “Laranjão e mais três”, autores da famosa música “O Leproso”, foi arrancado da parede por um vento e por uma tempestade inesperada, brilhante, veloz e aterradora, como se fosse, não do domínio do ar, mas do interior obscuro de um intestino.
- O Focas anda aí! – Gritou a Tita dos Pés Sujos, escondendo-se debaixo das cuecas do seu Bajoulo.
- Porque é que eu vim para este mundo? – Interrogou-se o Milhas, tirando a cautela das mãos da Blandina, pagando e fugindo, deixando o Velhinho perdido nas divagações filosóficas da escolha do número da sorte.
O Carocha virou bruscamente para os lados do Cineteatro e parou junto ao Chalé da Merda, onde já o aguardavam o Citroen AV-11-94, o Opel EU-13-12, o Mini FF-62-88, o Citroen GZ-65-33, o Peugeot BM-18-35 e o Renault BU-13-78, o GS-21-11, o Chevrolet da Proteção Civil FC-79-02, o AT-66-70, o Escort LA-91-40, o DI-81-76, Alfa Azul, o EH-87-44, Alfa Branco, HS-35-32, Alfetta, com o pai do Bajoulo, conhecido como o Paiol Móvel do Comandante Guélas, o BU-91-40, o BU-13-78, e o INEM, na pessoa do Dr. Rof, um FIAT 217 Branco com duas matrículas, uma à frente e outra atrás, FC-75-25 e FR-43-07, para confundir o inimigo. O briefing do Luís de Espanha foi rápido e conciso:
- O social-fascista Bill sequestrou a cidadã Espirro de Punheta e refugiou-se aqui no Centro Cultural de Paço de Arcos, ameaçando abusar da menina se o Focas não pedir desculpa ao camarada Rodrigues pelo cagalhão que fez atrás da poltrona, no Farol. O meliante está cercado, por terra, ar e mar – e apontou para os carros, para a saída de esgoto da Praia Velha, bloqueada pelo zebro de dois metros cujo motor tinha 1 burro de potência, do fuzileiro Horta Correia e para os pombos no fio da puxada elétrica clandestina do Tubarão, que cruzava o espaço aéreo da área do crime.
Segundo a estatística do Centro de Estudos João da Quinta pelo menos 10% da população andara no CI-90-20, incluindo o Lopes, o mais famoso cão da vila, propriedade de um dos Latifundiários Culturais da vila-Estado, Daniel José Martins de Almeida, nascido no dia 29 de outubro de 1955 e com morte anunciada para o dia 22 de março de 2008, segundo dissera a Mulher-Serpente da Feira de Nosso Senhor Jesus dos Navegantes. Na praceta havia um mini branco, IE-37-52, que lhe fez sombra, propriedade de um capitão que tinha gostinhos em ver adolescentes a guiá-lo, ajudando os petizes a pôr as mudanças. E um dia a “Limousine de Luxo”, que tinha uma autorização para circular nos tempos “negros do fascismo”, por ser da mesma cor dos carros da PIDE e do Exército, apareceu no meio do jardim da Praceta, e o João Gordo informou os clientes da promoção:
- A quem levar 1 Kg de carne os filhos têm direito a brincar dentro daquele carro, colocado pela CMO, como no Parque do Alvito.
Recuemos no tempo. Uns dias antes o Focas, acompanhado dos seus amigos Pontas e Sarapito, tinha ido divertir-se para os lados de Cascais, mais propriamente para a discoteca da Estalagem do Farol, o equivalente à Riviera Francesa, e a uma dada altura teve uma cólica fortíssima que o obrigou a arrear um formoso cagalhão atrás de um dos sofás, limpando o cu a um livro que estava em cima de uma mesa, “O Capital”, de Karl Marx, pertencente a um jovem pseudointelectual da UEC de nome Bill. O cheiro era tão intenso que o Pontas desmaiou num canteiro durante a fuga. A negociação estava num impasse, a Espirro de Punheta gritava desesperada:
- Senhor terrorista não és homem não és nada senão abusares de mim.
- Agarrem-me ou eu salto para as cuecas dela, - gritou o Bill empunhando uma bandeira do PCP.
O desbloquear da situação só poderia ser resolvido pelo único expert em diálogo e reconciliação, o inspetor Zé Maria Pincél.
- Este vai conseguir, ele sabe o que faz!
Zé Maria Pincél torturou um dia o Horta na casa da Katy quando começou a namorar com ela, depois de ter levado uma dentada durante um linguado do seu ex, o Peidão, por eventuais crimes cometidos no infantário, onde o Horta lhe chamou “gorda”, obrigando-o a ajoelhar-se e a pedir-lhe desculpa. Aliás, a fama de ter um sentido apurado de justiça manteve-se ao longo da idade adulta, quando barrou a entrada ao Caveirinha na quinta da Macaca, acusando-o de ter invadido o espaço no passado. Quando confrontado com a verdade, também participara no delito, respondeu com a lógica que lhe era característica:
- Eu já previa ficar noivo desta gostosona, como tal não invadi, porque já era proprietário!
As portas do Chalé da Merda abriram-se de rompante, saindo de lá um terrorista em pânico, perseguido pela Espirro de Punheta que o ameaçava comer até ao tutano. O jovem só sabia tomar decisões erradas, abraçara o comunismo, e escolhera raptar uma meia-fêmea faminta. O Comandante Guélas condenou-o a um internamento no Campo de Reeducação dos Milhas, dirigido pela Ester e a Arlete!