4ª Temporada - Os Amigos do Sarapito (5)
Comandante Guélas
5
- Se não comes a sopa vou chamar o Zé da Vizinha, - ameaçava o Espalha o sobrinho aterrorizado a olhar para ele, não fazendo ideia de que estava a abrir a Caixa do Milhas para a eternidade.
O Ratinho Blanco pertencia a uma família proprietária de um dos maiores latifúndios da pedreira do Mocho, e tivera como vizinho o Zé Borrego, abafador de maneleiros, descendente direto do Diogo Alves e da Luísa de Jesus. O Ratinho Blanco sempre que ia assistir a um filme indiano no Cineteatro de Paço de Arcos, punha um chapéu de palha inclinado sobre os olhos, vestia um fato tweed com uma corrente do seu bóbi, presa a um relógio de cuco, que segurava debaixo do braço. Tinha uma paixão secreta pela Tita dos Pés Sujos, uma mulher exótica de sangue portosalvense, que enchia a boca de todos os galarós da vila-Estado. A sua nudez imaginada provocava muitas pívias, até que um dia deu de caras com um rapaz gordo com nódoas de cevada nas cuecas e casou-se. No altar proclamou alto e em bom som:
- Eu tenho fé no Bajoulo, o meu amado boche, porque é a pessoa que me irá levar ao meu destino, uma terra sem bejecas e gordura!
Mas depressa esta ativista dos direitos das lagostas paçoarcoenses foi assediada pelo vizinho, o Mija Colchões, que a raptou durante uma ressaca do seu marido, e a levou de novo para um altar, onde consumou o pecado: cortou-lhe as unhas dos pés à dentada! A Tita deixou de ser a dos Pés Sujos, e transformou-se numa queque. O Milhas, namorado da sua prima, que fora educado por duas perceptoras inglesas, que tentaram durante anos, sem sucesso, educa-lo a ele e aos irmãos, a Arlete, que não gostava de polícias à paisana porque não tinham cassetetes, tão úteis para pôr na ordem os miúdos, e a Ester, amestradora do Áchim e esposa de um pescador que não tolerava vincos nas calças, não aceitou o divórcio da Tita dos Pés Sujos e do Bajoulo, e jogou na lotaria, tendo a desgraça batido de novo à sua porta, ganhou!
Trim, Trim, Trim
- Quem é?
- É o Curtis!
O carteiro paçoarcoense era pedófilo nas horas vagas, deixava-se consumir no seu Simca pelo gangue de Porto Salvo, e quando a festa atingia o clímax, os putos destravavam o carro e o Curtis largava tudo o que tinha nas mãos para acudir ao bólide, antes que ele se espetasse de encontro ao muro. Todos riam, menos o carteiro, que tinha pago, sem contar com o que lhe roubavam, umas horinhas de prazer com estes adolescentes de Porto Salvo. Quando a brincadeira acabava, o adulto rumava para casa, pois no dia seguinte tinha cartas para distribuir, e o Gang do Zé de Porto Salvo dava início ao seu trabalho rotineiro: gamar peidociclos! A acompanha-lo ia o jovem estagiário de nome Pingalim, filho dos proprietários do célebre estabelecimento comercial “paçoarquiano” de nome “Papagaio” e irmão do auto-campeão nacional de 50 cc Pinguim. Ainda a publicidade era uma miragem e já este célebre piloto do Autódromo do Estoril mostrava a todos os paçoarcoenses a carta que tinha recebido da Federação Internacional, com sede no estrangeiro, a convidá-lo para participar no Campeonato do Mundo.
- Mas os selos são de Portugal e a taxa não é a que está em vigor? – Perguntou o Pontas no “pub” do Centro Comercial mais moderno e vasto da Costa do Estoril, o “Áries”, em cujo prédio morava um Capitão da Quinta Divisão.
- Isso são ninharias, é um problema dos Correios e não meu! – Respondeu com desprezo o único piloto que não tinha conseguido dar uma volta completa ao Autódromo do Estoril, tirando a carta das mãos do inconveniente adolescente.
Mas era verdade! A única vez em que o senhor Pinguim participara numa corrida, fora por conta própria, empenhara-se para o resto da sua vida na compra de um “peidociclo” de competição e respetivo fato, e nunca conseguiu passar da reta, pois seguiu em frente.
O Comandante Guélas era o político mais amado de Paço de Arcos porque se deixava amar à vontade. Já o Sarapito era vítima de Bulling, o espírito da revolução, que desejava a igualdade capitalista para todos, ia-se a pouco e pouco esfumando:
- Não, não podes jogar connosco, somos federados, - respondeu-lhe um dia a seco o Marreco.
O Focas, que deixara de fazer cagalhões revolucionários e proclamava que a partir daquela data só defecava nas retretes, recusava-se também a trocar bolas com o pobre do Sarapito:
- Vai jogar com o Peidão, o Fininho e outros coxos! – Disse-lhe um dia o Tio Kiki, que vivia desterrado na Pampilheira, mas dizia que era de Cascais.
O povo proclamava agora o regresso do social-fascista Bill para explicar a esta gente paçoarcoense o conceito de solidariedade, como fizera no Futebol PA. Nasceu assim o Grupo de Amigos do Sarapito!