4ª Temporada - Pinga Amores (11)
Comandante Guélas
11
Dizem que em Paço de Arcos há muitos gémeos, mas não sabem que o são, porque partilham o mesmo fígado, e só quando o garrafão se parte é que eles se separam. Foi isso que aconteceu entre o Pingamisú e o Zé Maria Pincél no momento em que este se casou com a Macaca. Sempre que há uma mudança de regime pela força, o povo reage com um babyboom. Paço de Arcos não foi exceção, mas ficou-se pela intenção. Só o Manelinho da Carroça é que somava e seguia, pois para ele a mulher não passava de uma ovelha, por isso cobria-a em todas as ocasiões, estivesse a cagar ou a lavar roupa nas pias da Terrugem de Cima. Acabou por perde-la para um polícia:
- Vi-a a correr e a deixar cair o último puto das saias!
Em Paço de Arcos houve nesses tempos revolucionários várias adolescentes que deram cabo das cabecinhas de muitos rapazes. E o problema chegou às mãos do Delegado de Saúde da vila-Estado, o Dr. Focas das Docas:
- Isto já me cheira a pandemia, quanto mais perto chegam do Arvoredo, mais tesão têm os miúdos.
- O Zé Cagalhão passa a vida debaixo da janela da Lena Lentes no Mustang do pai, que abana por todos os lados - informou o enfermeiro Alpedrinha preparando as injeções para os dardos.
- Vamos ter que tomar medidas de confinação!
- E anda por ali um gordo de óculos com comportamentos suspeitos.
- Um gordo de óculos?
- Dizem que é o que tira fotos para os passes dos estudantes.
- O Bigornas? Não, o problema dele chama-se Kika, e a menina só o chama quando tem falta de gás butano.
E tinha razão, o Bigornas estava dobrado sob o peso de uma bilha, que a alemã insistia que levasse para o primeiro andar. O Monhé acumulava filmes para adultos e não saía de casa. Fora apanhado na caixa do supermercado com o Mac Macléu Ferreira, o produto não ostentava o preço, e a moça teve de perguntar ao chefe:
- Silva, qual é o preço desta cassete?
- Qual é o título?
- Garganta Funda, doze anos depois!
O Milhas não largava a porta do restaurante do pai da Huga Huga Lagosta; o Zé Maria Pincél fazia contas à carteira da Macaca. A gota que fez transbordar a paciência do Dr. Focas das Docas foi produzida pelo Graise, quando informou os amigos de que aquela festa era “só para orientados”, ao mesmo tempo que dava um beijinho carinhoso na sua namorada, uma indonésia anã!
- Terá Sísifo sido alguma vez feliz? – Gritava sempre o Bajoulo de cada vez que ia buscar a Tita dos Pés Sujos.
Foi nestes breves segundos existenciais de lucidez, que o poeta oficial de Paço de Arcos escreveu os mais belos poemas: “Numa noite de copos / Com o meu chouriço rijo / O teu nome escrevi / Com um jato de mijo!”.
O único amor que o Bill sentia era pelo partido, por isso sempre se sentiu atraiçoado por o terem obrigado a casar-se com a causa guéliana, mas precisava dela para conseguir sobreviver naquele meio hostil aos trabalhadores. Foi por isso que um dia o Taka Takata se aproximou dele na Praceta, vestido de varredor:
- Camarada Bill junta-te ao meu grupo terrorista: “AL-TAKA!
A cabeça do Bill estava longe dali, o que presenciara na ex-roulote de cachorros do senhor Carlos & Pedro Pomme-de-Terre, atual Mocho, o Bruxo, estacionada junto do Coreto, pusera em dúvida os seus ideais comunistas, sentira o bafo de Deus. Recuemos. Pierre-Pomme-de-Terre anunciava a Parusia, na altura em que o jovem comunista saía de mais um comício. O apóstolo dizia que aquele que se escondia dentro da roulotte dera-lhe como prova um cálice com pingos de mijo extraídos da relíquia paçoarquiana, as veneradas Cuecas do Bajoulo, a última tentação da Tita dos Pés Sujos, nascida na Quinta do Ferreiro, em Moscavide, e benzida pela Quitéria Barbuda, a mulher martirizada pelo Craveiro Lopes, com visões vínicas, afetada pelo Sumol de Laranja com palhinha dada pelo Jorge Vira Bicos da Iolanda.
- São dois pingos grandes e três mais pequenos, - gritou Pierre Pomme-de-Terre abrindo os braços para a multidão.
Foi nesta altura que o Bill se benzeu pela primeira vez, e os que o rodeavam gritaram “milagre”.